sexta-feira, 11 de maio de 2012

Entrevista Fábio Castilhos por Diego Ferreira

Esta entrevista foi postada originalmente no blog do Diego Ferreira, http://escapeteatro.blogspot.com.br/. Acessa lá que o blog é muito bom, cheio de informações!
1.      Quando e como iniciou a sua trajetória teatral?

Meu primeiro contato foi na escola em 1997. Na sétima e oitava série do Ensino Fundamental a disciplina de artes visuais era substituída pela de teatro. Eu curtia muito aquelas aulas, com a professora Sônia Pellegrino, que infelizmente faleceu. Depois, em 2002, tendo encerrado o Ensino Médio, não passei no vestibular (para Ciências Sociais) e fiquei meio perdido. Quase sem querer me inscrevi num curso de teatro para iniciantes com o Zé Adão Barbosa. Daí em diante não parei mais. 

Fábio A Decisão
A Decisão. Grupo Trilho. Foto: Ana Mendes

2.      Como se deu a sua formação? 

Depois desse primeiro curso com o Zé Adão, entrei no curso de Formação de Atores do Tepa (Teatro Escola de Porto Alegre) no ano de 2003. Neste curso tive aulas com o próprio Zé Adão, o Luiz Paulo Vasconcellos e a Jezebel De Carli. Através da Jezebel conheci a UERGS, prestei o vestibular e passei. Isso em 2004. Formei-me no curso de Graduação em Teatro: Licenciatura (o curso inicialmente se chamava Pedagogia da Arte) em 2007.

3.      Atuar ou dirigir? 

Os dois! As duas coisas me dão prazer, me divertem. Talvez, daqui alguns anos eu dirija mais do que atue, sempre acho que isso possa acontecer, mas por enquanto isso não me preocupa.  

4.      Qual o papel da universidade na formação de um artista?

Na minha formação foi essencial. Lá eu tive oportunidade de conhecer diversas práticas e teorias. Existe uma metodologia, um caminho. Aí, tu podes escolher qual vai seguir. Porém não é o único caminho. Acho que fora da academia a busca por teoria é mais difícil, a universidade facilita esse acesso. Acho que é isso, a universidade funciona como uma facilitadora, ela te oferece caminhos, possibilidades, mas não basta, tu tens que ir além, ela não te transforma num artista. 

5.      Grupo de Teatro ou Teatro de Grupo? Fale sobre o Grupo Trilho?  

Eu acredito muito no Teatro de Grupo. Na verdade, pouco importa a nomenclatura, o que importa mesmo é como se dá o processo de trabalho, como funciona e são estabelecidas as relações. Eu não consigo pensar o teatro em uma função só. Se estiver atuando quero interferir na luz, no figurino, na dramaturgia, enfim a criação deve ser coletiva. Mesmo que haja funções (diretor, cenógrafo, etc.) elas devem dialogar, sem hierarquia, é o que costumam chamar de criação colaborativa.
            Outra questão que acho importante em um coletivo é que as pessoas acabam criando objetivos muito próximos, laços artísticos. Numa companhia, onde as pessoas são contratadas, os objetivos são muito diferentes, o diretor quer fazer a sua peça, o ator quer “brilhar”, tem muito mais “ego” envolvido. No grupo essa questão do ego fica mais diluída, pois o objetivo é do coletivo e não somente do indivíduo.
            O Trilho é um grupo que migra entre criações coletivas e colaborativas, dependendo do objetivo que temos. Cada integrante tem algumas funções que desempenha, mas nada é absolutamente fechado, do tipo fulano só faz isso, sicrano só faz aquilo. Vamos criando e nos organizando da forma que melhor possamos cumprir os objetivos que traçamos. 

6.      Em 2011 o Grupo Trilho experimentou pela primeira vez direcionar o seu trabalho ao público infantil. Como foi esta experiência, qual foi à premissa? 

Partimos de uma necessidade. De uma não, de várias. A primeira era que quando fazíamos espetáculos no nosso espaço, o Grêmio Esportivo e Cultural Ferrinho, quem ia assistir eram as crianças, elas que insistiam e os pais acabavam acompanhando. Só que as peças eram adultas e até pesadas para elas. Daí pensamos: precisamos fazer algo para essas crianças. Outra necessidade foi que todos nós do grupo também somos educadores e trabalhamos com crianças, enfim vários outros pormenores nos levaram a pensar num trabalho para o público infantil.
E a experiência começou justamente aí. Sabíamos que eu iria dirigir e trabalhar na construção da dramaturgia e que a Caroline Falero e a Giovanna Zottis iriam atuar, e só. Não tínhamos ideia de texto, nem de um tema. Começamos improvisando muitas coisas e aos poucos a peça foi aparecendo. O processo todo durou oito meses. Foi uma experiência incrível, as atrizes se divertiram muito durante o processo, a ideia era essa. Mas eu não. Quer dizer, é claro que eu me diverti, mas teve momentos muito difíceis que eu não tinha a menor ideia de onde aquilo ia parar. Mas foi muito gratificante, por que foi um processo de criação muito livre, que eu tinha muita vontade de experimentar. 

7.      O que o teatro político, Brecht e a periferia do Humaitá contribuíram para a construção da dramaturgia de “O Baú”?  

Contribuíram por que esses elementos estão na nossa gênese, na nossa pele, na nossa alma. Eles são geradores da nossa estética, da nossa ética. Não conseguiríamos fazer uma peça para as crianças que fosse apenas “bonitinha” e “engraçadinha”. De alguma forma nós temos de cutucar o espectador, seja ele adulto ou criança. E eu creio que conseguimos fazer isso. Tanto crianças como adultos saem de “O Baú – Lembranças & Brincanças” com dúvidas, com anseios. O espectador se diverte, mas pensa também. E isso é um grande barato.   

8.      A trajetória do Trilho e a tua são marcadas pela presença do teatro político sendo influenciado pelo teatro e teorias de Brecht. Quando descobriu Brecht e qual a real importância dele no seu trabalho e na sua identidade? 

Overdoze-montenegro-SESC
As Criadas. Direção Bruna Immich. Foto: Kiran

Descobri de fato o Brecht durante o segundo semestre na Uergs. Eu fui morar em Montenegro e vivia para o curso. Virei rato de biblioteca. Li todas as suas peças. Li inicialmente como um curioso, mas desde o inicio eu me interessei muito pela sua obra. Ele tocava em assuntos que me interessavam, e que até então eu não tinha visto muito no teatro. Aos poucos fui me aprofundando mais sobre o seu trabalho, suas teorias. Não sou um especialista em Brecht, tenho muito ainda que conhecer sobre o seu trabalho, mas ele realmente me instiga e me interessa.  

9.      O grupo Trilho carrega em seu nome “Teatro Popular”, ou seja, Grupo Trilho de Teatro Popular. Como você enxerga e pratica este “teatro popular” dentro do grupo e como define este termo em seu trabalho. Quais questões políticas, estéticas ou sociais permanecem na cena atual?  

Bom, teatro popular é um termo bem complexo e até perigoso, pois ele pode significar muitas coisas. Dentro do Trilho, é até bem claro o porquê dele no nome. É “popular” primeiro por que trabalhamos na periferia de Porto Alegre. Em segundo lugar por que pensamos em ações que tenham um cunho sócio-político, que a arte tem como função colocar em dúvida esse sistema desigual em que vivemos, criticá-lo nos mais diversos âmbitos da sociedade. Acho que tem uma frase do Brecht que resume muito bem essa questão: “A arte deve optar, pode se transformar no instrumento de alguns que diante da maioria assumem um papel de deuses e do destino ou pode aliar-se a grande maioria transformando-se em arma a serviço do povo”. A nossa estética, poética e ética está totalmente interligada com esse pensamento.           

10.  Como se dá o processo de trabalho do Grupo Trilho? Quais são suas principais influências?  

Como eu disse anteriormente o processo de trabalho do grupo é meio mutante, se modifica na medida em que achamos necessário, mas sempre democrático, sem estabelecer hierarquias, baseado no coletivo. É claro que algumas coisas vão se estabelecendo naturalmente. Um exemplo é justamente as influências do Trilho. A sua principal influência é o Bertolt Brecht, mas cada integrante carrega consigo as suas influências, que acabam afetando os outros integrantes, numa reação em cadeia. E nessa amálgama toda vou citar alguns nomes que me influenciam e que de alguma forma influenciam o Trilho também: Grotowski, Peter Brook, Augusto Boal, Oduvaldo Vianna Filho, Oi Nóis Aqui Traveiz, Cia. do Latão. 

11.  Quais profissionais gaúchos e nacionais tu destacaria, que contribuem para um teatro mais forte e engajado? (Ator/atriz, diretores, teóricos, etc...) 

Bom, pensando em engajamento, que, aliás, é uma palavra que eu não gosto, prefiro crítico, na cena gaúcha não poderia deixar de citar o “Oi Nóis Aqui Traveiz”. Outros grupos muito bacanas são a “Cia. do Latão”, “Brava Companhia”, “Teatro Máquina”. O Sérgio de Carvalho, que é diretor da Cia. do Latão, pode ser citado como um grande teórico também. Assim como a Iná Camargo Costa, a Stella Fisher (que é atriz também), a Ingrid Koudela.  

12.  Falando em política... Como você vê as políticas públicas voltadas para o incentivo da cultura em âmbito municipal, estadual e federal?   

É ruim, já foi pior, ainda tem muito que melhorar. Falta investimento, falta um critério de avaliação melhor formulado, falta diversificar as áreas de atuação, os repasses não podem atrasar, a “burrocracia” deve ser diminuída, os incentivos fiscais devem ser repensados, enfim, num país onde pessoas morrem de fome, morrem em filas de hospitais, que a educação pública é sucateada e que políticos roubam a vontade e ficam impunes, já era de se esperar que a cultura ficasse relegada ao décimo plano.  

13.  Como você enxerga a atual cena gaúcha? Quais grupos e cias têm desenvolvidos projetos bacanas e o que falta para o teatro gaúcho? 

Bastante diversificada e em expansão. Grupos do interior ganhando força como o Teatro do Clã de Montenegro e o Ueba Produtos Notáveis de Caxias, só para citar dois. Já em Porto Alegre temos alguns grupos que vem desenvolvendo um trabalho continuado que merecem atenção, alguns antigos, outros mais novos, como o Oi Nóis, a Santa Estação, o Teatro Sarcaústico, a Cia Rústica, o Grupo Mototóti, entre outros.
O que falta é os trabalhos serem mais bem aprofundados. Até por uma questão de mercado, monta-se muito rápido um trabalho, a peça cumpre uma, duas temporadas no máximo, circula durante um ano (quando muito) e deu, acabou. Vem outro prêmio para montagem e o ciclo recomeça. Não há trabalho que consiga ter um aprofundamento maior. É um problema dos financiamentos, que geralmente são para montagem e pouco para circulação ou fomento de um grupo.  

14.  Ano passado o espetáculo “O Baú – Brincanças e Lembranças” teve grande aceitação do público e critica e indicado ao Prêmio Tibicuera e você foi premiado como Diretor e Dramaturgo. Como você recebeu estes prêmios e se prêmios como este ajudam em alguma coisa? 

Eu fiquei muito feliz e surpreendido com os prêmios. O prêmio de dramaturgia até tinha uma esperança, mas diretor eu era o azarão. Quando a gente começa um trabalho não pensa em prêmios, se vai agradar, se está adequado para isso. Porém ganhar um prêmio é muito bom, dá um “selo de qualidade” para o trabalho, é um reconhecimento. O grupo ficou um pouco mais conhecido, a peça, e eu também. Sabe que depois dos prêmios muitas pessoas, amigos, conhecidos, já fizeram essa pergunta, e eu sempre respondo brincando: “Antes eu era um Zé-Ninguém... Agora eu sou um Zé-Ninguém premiado!” 

15.  Quais os teus próximos projetos junto ao Trilho? Nova temporada e novos espetáculos? 

O principal objetivo por enquanto é fazer o Baú circular. Temos uma nova temporada no Teatro Bruno Kiefer, na Casa de Cultura Mario Quintana (26/05 a 24/06, sábados e domingos, 16h) e algumas apresentações agendadas.
Estamos tentando manter uma tradição que é no aniversário do Ferrinho fazermos uma programação de apresentações lá no espaço, que batizamos de “Estação Ferrinho”. Em 2010 foi muito bacana, foram 5 dias de apresentações, seminário, coquetel, show de música. 2011 estávamos em plena temporada e não conseguimos fazer um evento tão grande, mas não deixamos passar em branco. Este ano queremos retomar pelo menos os mesmos 5 dias de 2010.
E também estamos treinando algumas vezes, lendo coisas, com calma, talvez daí surja algo novo. Por enquanto novo espetáculo mesmo só no plano das idéias, não temos ainda uma previsão para um novo trabalho.   

16.  O que te faz ESCAPAR tratando-se de teatro?  

Assistir a uma boa peça, estar num processo de criação e participar de uma boa oficina de teatro. Aí eu escapo, pra bem longe! 

17.  Alguma vez já pensou em desistir? 

Já, muitas vezes. Mas daí me dou conta que não sei fazer outra coisa, então desisto de desistir.  

Cleo e Clea
Cleo e Clea. Direção Heitor Schmidt

18.  Futuro?

Estar com o Trilho, bem constituído, com o nosso espaço, o Ferrinho, a pleno vapor, dirigindo, atuando, escrevendo, ensinando, aprendendo. Tenho vontade também de experimentar outras linguagens, como cinema e dança e tudo mais que esse tal futuro possa me reservar.  

19.  Gostaria de deixar algo especial para encerrar esta entrevista?  

Gostaria de agradecer muito o teu convite, foi uma experiência muito legal. Quem quiser conhecer mais sobre o Trilho, acessa www.grupotrilho.com.br

E pra finalizar uma frase do mestre Bertolt: “De todas as coisas seguras, a mais segura é a dúvida”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...